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Mostrando postagens com o rótulo Intertextualidade

À procura de um poema

Às vezes rimo, às vezes não rimo, e logo depois me vejo correndo descalço pelos campos da meninice, afagando sonhos e versos, polinizando amorosas flores. Aos meus pés, uma planta pequenina, frágil como tudo aquilo que há de mais bonito nesta vida, que cresce, cresce, cresce e se torna árvore sem medo, em cuja sombra me calo e envelheço. À noite, quando os pássaros voltam aos seus ninhos, quando frio se faz presente, tento recordar uma velha cantiga de viver; e eis que o tempo, a vida, tudo, de repente, se transforma em água, salobra, calma, lúcida; e eu, pobre criança mergulhada no mistério, me transubstancio também em Mar Absoluto.

Motivo

O morrer como um viver sem paixão, um estar no mundo como que em descompasso, ferido, cambaleante, amargurado. As mãos quebradas, o coração solitário; o cansaço das relações fugidias e truncadas. Ontem mesmo você estava aqui, e conversávamos sobre a vida; hoje o silêncio grita exasperado. Gira, gira mundo em alta velocidade, derramando em nós uma quantidade infinita de bits e bytes; informações, no mais das vezes, desnecessárias. Passagem rápida dos dias, horas, amigos e amores; sucessão sucessiva de um vazio acachapante.

Resiliência

Nem sou alegre, nem sou triste, nem sou poeta, nem ouso sê-lo. Vivo no limbo da desesperança, em meio a vulcões extintos, angústia, medo e lama. Acabo sempre vencido pelo peso do cansaço e pela força das circunstâncias. Estou à margem de tudo; nunca pertenci a uma multidão, nunca gostei de ideias fatais. – Nada disso muda o que quer que seja! E persisto, com o coração nas mãos, a faca entre os dentes, escalando o monte sem cume da vida. 

Algures

Prados verdejantes, oh, bucólica lembrança Do tempo em que éramos pastor e pastora (Glauceste e Nise, Marília e Dirceu, Elmano Sadino...) E vivíamos num frugal cotidiano, Longe do ritmo frio e incessante do moderno maquinário, Mas perto do calor ardente de uma reciprocidade irrestrita. Oh, colina árcade de minhas reminiscências, Onde eu era um artesão das palavras, Um flautista alvissareiro a reverenciar, Com meu singelo canto, A natureza, o equilíbrio e a perfeição. Nos campos helênicos cheio de flores, Ou entre as minas de um ouro colonial, Preenchia-se o pavor do vazio Com odes, sonetos e canções. Cinzas de outrora, poesia esquecida; Nada mais restou daquela outra vida.

Sobre Contracenar e Contrassensos - Se Drummond vivesse

(Poema de Samuel Rocha) Carolina amava Maria que amava Raimundo que fingia amar Teresa que fingia não amar Pedro que amava Beatriz que não amava ninguém Carolina foi para os Estados Unidos, Maria para o convento, Raimundo morreu de desastre, Teresa ficou para tia, Pedro suicidou-se e Beatriz casou com Fernando que não tinha entrado na história. P.S.: Fernando também não ama ninguém.

Quero ser Jean Valjean!

Mais um dia, a batalha continua!, e ela começa dentro de mim mesmo, é uma cruzada sem fim. Lutar por uma causa perdida, fazendo o melhor que posso, mesmo que as trevas da vida me apontem para outra direção, mesmo que pouco reste em meu coração. Ecos de um passado, de uma generosidade sem tamanho, de um exemplo que me pôs de joelhos, que me transformou para sempre. Somos aquilo que nos ensinaram, mas também somos aquilo que ensinamos aos outros. Somos o sonho que um dia sonhamos, e estamos, por conta própria, atravessando a escuridão, percorrendo o rio agitado da vida. Somos...  

O prazer da leitura

Leio, mas não leio só por ler, como um prazer ensimesmado, ou como fuga de uma realidade desagradável; leio para sonhar melhor, para ultrapassar os limites da estratosfera, para atingir profundezas abissais. Leio sobretudo para ampliar os meus horizontes, para aprender com vivências, reais ou imaginárias, que provavelmente nunca terei a oportunidade de viver, e para poder voltar mais sóbrio e lúcido ao convívio com meus semelhantes. Leio porque ler faz bem à minha alma e ao meu intelecto, porque conheço mundos outros e realidades inimagináveis através da leitura. Leio sem vergonha, leio sem medo, leio as entrelinhas, leio o pretexto e o contexto… Leio porque assim conheço melhor a mim mesmo. Leio porque quero. Leio porque gosto.

Língua Portuguesa

Quero tratar-te bem, ó Língua Mãe, respeitando as tuas regências, concordando com as tuas concordâncias. És minha pátria, mátria, és minha vida escrita e falada, és, no entanto, apenas uma e, ao mesmo tempo, tantas! Diversa e única! Misto de sonoridades, representações e significados! Pontuas a minha história, adjetivas o meu viver; não sei o que faria sem ti, por certo, me perderia em um mar de silêncio e caos. Não posso negar também que, muitas vezes, és crase no meu caminho, conjugação difícil e infensa, mas vou, persistente que sou, a cada dia conhecendo um pouquinho mais de ti. E não quero mais continuar te chamando de TU, daqui pra frente é só VOCÊ! 

Divinos Prados

(À Adélia Prado) Quero sentir na alma toda a bagagem dos teus versos e estar contigo na praça da pacata cidade e correr doidivanamente pelos quintais e sentir o cheiro de café na cozinha com o coração disparado a faca no peito no conforto do velho lar entre familiares e amigos Na cadeira de balanço em que repousas ao som de latidos e ave-marias crianças chorando exigentes gargalhadas e outros causos fractais do cotidiano reverberações poéticas

Sentimento do Mundo

Encontrar-te-ei aonde quer que tu andes; não quero ser como os outros, quero ser J. Pinto Fernandes. Mesmo sabendo que se trata apenas de uma rima, que haverá sempre pedras no caminho, que as luzes da festa logo se apagarão, desejo arder intensamente pelo efêmero tempo que ainda nos resta.

inconsciente poético

Já fui pra Pasárgada – lá não me quiseram. Já tropecei na pedra do caminho largo. Fui ao meu amor sempre atento, mas não durou muito. Hoje, a minha vida não está completa, nem tocar um tango argentino eu posso mais. Fico aqui, com esta minha fala entupida, compondo quimeras, buscando regressar à terra das palmeiras e do sabiá.

releitura camoniana 1

Alma pouco gentil, que me partiste, deixando a minha vida descontente; encontrou outra... foi-se impunemente, deixando-me aqui deveras triste. ...

releitura camoniana 2

Mudam-se os tempos, mas não as iniquidades, Muda-se o ser, fica a desconfiança; Tu és passado… É tempo de mudança… Vislumbro novas possibilidades. ...

Marília de si mesma

Nem de Dirceu, nem de Tomás, nem du Bocage … Marília mudou; os tempos mudaram. Ela pode agora fazer suas próprias escolhas, ser aquilo que quiser. Marília é um universo; Marília é independente; Marília é uma mulher. Despida do ideal e dos devaneios da paixão, ela é um ser que possui vícios e virtudes, que comete erros e acertos, que se apaixona, sofre e se arrepende. ... Marília – agora e para sempre – de si mesma, e de mais ninguém.

Luísa no século XXI

Tinha tomado o seu cafezinho (a internet estava lenta naquele dia), tinha lido suas mensagens sem muito interesse. Não era a primeira vez que lhe escreviam aquelas bobagens, e o seu tédio aumentava a cada novo vídeo motivacional, a cada novo e-mail recebido, nova postagem ou curtida; sentia um decréscimo de estima por si mesma, e parecia-lhe que entrava num existência muito desinteressante, onde cada hora nada tinha de importante, cada novo clique levava a uma apatia, e a alma se cobria de um vazio de sensações.

À Florbela Espanca

Nas noites brancas, nas cinzas das horas, nas brumas do tempo, espero... Espero por quem partiu sem ter vindo, por quem amou sem ser amado, por quem muito se doou e nada recebeu. Espero, mas sem esperança; vivo na eterna lembrança de tudo aquilo que foi sem ter sido; melhor esquecer, esquecer e ser esquecido.

Os Miseráveis

Mais um dia... Sonhando um sonho impossível; ouvindo o povo a cantar; lutando pelo amanhã nas barricadas da vida. Mais um dia... Sentindo as dores do mundo; secando as lágrimas; escondendo as mágoas; buscando uma segunda chance, um novo começo. Mais um dia... Afastando as trevas da noite; vencendo o ódio e a maldade; espalhando a esperança; vendo o raiar de um novo dia.

Lastro

Homero, Safo, Anacreonte, Virgílio, Horácio, Ovídio, Dante, Petrarca e o grã Camões, Juntos, cantando edificaram, Com engenho e arte, novo Reino Que pioneira senda abriu Aos que, seguindo sumo exemplo, Nobre arte ao mundo anunciaram. Tal legado só foi possível Porque não perderam o lastro; Só se pode o novo singrar Com um bom, velho e firme mastro. “Se eu vi mais longe, foi por estar sobre ombros de gigantes.” (Isaac Newton)

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