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Devaneio e Poesia

Há muito tempo, numa galáxia muito, muito desimportante, num quadrante esquecido de um sistema solar ainda mais desimportante, encontramos um pálido ponto azul; ao nos aproximarmos, porém, um pouco mais, verificamos tratar-se de um pequeno planeta praticamente inofensivo e irrelevante. Os habitantes, quase sempre entediados, desse planeta queriam audaciosamente chegar aonde nenhuma espécie jamais esteve, pois achavam que assim, de alguma forma, sentiriam um pouco menos de tédio.
Para tal grandiloquente objetivo criaram e desenvolveram supercomputadores, foguetes, satélites, robôs e naves espaciais. Primeiramente, colonizaram a lua próxima, depois o planeta vizinho, o que consideraram apenas conquistas de pouca monta, por isso, ainda insatisfeitos, saíram em busca de planetas habitáveis fora de seu próprio sistema solar. E, para que esse intento fosse possível, construíram uma grande espaçonave usando toda a tecnologia e ciência acumuladas; uma nave totalmente autossuficiente para abrigar várias gerações dessa espécie audaciosa e entediada, pois, já que se tratava de uma viagem muito, muito longa, uma viagem na qual o curso inteiro de uma vida não era quase nada, a nave teria que ser um lar, mesmo que provisório, para os vários descendentes da equipe de bordo original.
A viagem inicia-se. Gerações e gerações se sucedem. Após muito tempo perdidos no espaço, enfrentando vários problemas técnicos, éticos e falhas no computador central, não encontram nenhum planeta que possa sustentar minimamente a vida, muito menos encontram outras formas de vida. A viagem prossegue. A imensidão e o vazio parecem não ter fim. O objetivo inicial da missão acaba sendo esquecido, e histórias e mitos, consequentemente, passam a povoar o imaginário dessa desalentada tripulação.
Centenas de anos depois, quando todos já não tinham quase mais nenhuma esperança, acabam encontrando um sistema solar com colônias abandonadas. Ficam todos eufóricos com a concretização de um sonho: realmente existe vida no universo, e vida inteligente! Procuram avidamente por todos os lados, mas só encontram resquícios de uma antiga e avançada civilização há muito extinta.
De repente, uma esfera de um azul estonteante é detectada pelos radares e sensores da nave. O computador central confirma a compatibilidade do planeta – finalmente um lugar habitável. Após uma aterrisagem perigosa, os sobreviventes desta longa jornada ficam extasiados com o que veem: imensas florestas, rios, mares e oceanos, além de uma diversidade muito grande de seres vivos, formada basicamente por animais estranhos com uma baixa capacidade cognitiva.
Curiosamente, em algumas partes desse planeta abandonado, ainda era possível encontrar pequenos sítios arqueológicos deixados pelos primeiros habitantes daquele mundo. Muitas hipóteses do que teria acontecido foram aventadas, contudo, com o tempo, até mesmo estas histórias acabaram no esquecimento. O planeta foi, aos poucos, totalmente colonizado.
Porém, apesar de tudo, o tédio ainda persistia.

agosto 10, 2016 No Comments
Se arrependimento matasse, sobrariam no mundo apenas os psicopatas, os sociopatas e, principalmente, muitos políticos; este infelizmente é um breve resumo de tudo o que aconteceu. Pode parecer fantástico e irreal, porém, como estou muito doente, quero deixar aqui o meu relato. Não sei se essas minhas palavras serão lidas algum dia, não custa tentar.
O mundo seguia o seu ritmo normal e enfadonho. Um dia ouvimos falar sobre uma estranha epidemia que se alastrava por toda a Europa. A doença era rápida e letal. Toda a comunidade científica se debruçou sobre o caso em busca de respostas, mas nada descobriram. Aparentemente, nada daquilo fazia sentido. Aos poucos, a doença foi se espalhando para todos os outros continentes, causando uma mortandade nunca vista antes.
O momento mais difícil foi quando comecei a perder amigos, mulher e filhos. Fiquei totalmente desnorteado. Passei a perambular pelas ruas quase desertas de um mundo desolado. Para não enlouquecer busquei, com todas as minhas forças, encontrar uma resposta para tudo aquilo. Queria de toda forma descobrir a causa deste mal inexplicável.
Passei então a observar atentamente aqueles que tinham sobrevivido, e para o meu espanto, depois de muito tempo, percebi que aqueles que passaram ilesos pelo contágio eram, em sua grande maioria, pessoas que não sentiam nenhuma empatia pelo próximo.
Comecei a refletir sobre a razão de minha permanência neste mundo, chegando a duas conclusões, ambas errôneas. Primeiramente, eu pensei que era, como os outros sobreviventes, também uma pessoa sem coração, incapaz de me comover com o sofrimento alheio. Depois, seguindo outra linha lógica, pensei que talvez este fosse o sinal de que eu era a única pessoa normal, quem sabe até uma espécie de escolhido, um salvador da humanidade.
Agora que estou acamado e muito fraco, percebo o meu engano. Eu estava provavelmente no meio do caminho, a minha insensibilidade não era ainda completa, por isso a doença demorou tanto para revelar os seus sintomas em mim. O meu fim será, de certa forma, também a minha vitória. Não sei se estou certo, talvez haja alguma outra explicação para tudo o que aconteceu, quem sabe alguma superbactéria ou um vírus geneticamente modificado... A única coisa que sei neste momento é que estou contente com a minha explicação.
 

março 09, 2016 No Comments
Num dia desses, estava eu a recordar o passado, um tanto longínquo, que aos poucos se desvanece à ação lenta e contínua do tempo. E, aos poucos, fui mergulhando num mar de doces recordações pueris, alegres peraltices e não poucas imaginações. Neste revolver das minhas reminiscências senti-me assaz extasiado, imensamente contente por compreender que nada na vida é em vão vivido, podemos sempre trazer de volta os doces momentos vividos e, por que não, ao trazê-los de volta à flor da mente experienciarmos outra vez as alegrias e dores de outrora, certamente não com o mesmo sabor de novidade e incerteza que existe somente no instante presente, mas com aquele prazer de analisar e buscar entender qual eram as forças que nos moviam, quais sentimentos verdadeiramente nos agitavam e o que de fato acontecia. 
Ao passo que estas recordações vinham à tona em meu consciente, fui percebendo as alterações da vida, a meninice já um tanto esquecida, o espírito otimista e brincalhão que para trás ficou, e tal agitação tomou conta de mim de uma forma tão intensa que acabei deixando cair uma pequena e contrita lágrima. Foi como estar a contemplar um espelho e ver que as marcas do tempo em muito apagaram em meu espírito a jovialidade da tenra idade. Quem assim ler estas minhas palavras com certeza há de pensar que quem as escreve é por certo uma pessoa de muitas primaveras, mas não, não sou um homem velho, entretanto a aspereza e conflitos da vida, de certa forma, nos embrutecem o espírito e nos tornam por assim dizer uma sociedade decrépita. 
Ao passo que penso não ser necessário cair em alguma fonte do rejuvenescimento, muito menos querer aparentar uma idade ao qual não temos, devemos, pois, buscar no recôndito de nossa alma a essência da vida, reconstituir em nós a chama da esperança, a alegria sincera e espontânea da criança que há dentro de cada um de nós, pois com certeza debaixo do pó e dos escombros do coração humano ainda existe com certeza os resquícios de uma esplendorosa civilização. É uma questão, em minha opinião, de valorização do que temos de mais precioso, mas a cada um cabe a sua interpretação. 
Neste dia, terminada estas minhas reflexões, silenciei-me por fim.


janeiro 15, 2015 No Comments
O ambiente fúnebre em que me encontrava trazia à superfície intacta dos meus pensamentos o afloramento de sensações e de sentimentos há muito esquecidos. Olhava tudo com uma perspicácia atroz, buscando desvendar atrás de cada rosto sisudo e triste, atrás de cada pranto e gesto cerimonioso, uma verdade oculta que redimisse toda a dissimulação humana. As sombras dos candelabros clareavam e, ao mesmo tempo, obscureciam a minha face. O cheiro de flores murchas impregnava o ar com um odor nauseante. O silêncio era quase absoluto.
Eu observava atentamente o meu corpo inerte preso irremediavelmente àquele ataúde que encerrava tantos sonhos não realizados, tantos amores não vividos e, sobretudo, tanto tempo desperdiçado. Lutei a minha vida inteira por uma causa que ao final se me mostrou inútil. Ah, se eu soubesse da irrelevância de toda ação humana! Mas todos os presentes eram unânimes em admitir a minha alta significância por causa do meu papel social muito bem desempenhado. As minhas virtudes, oh, as minhas virtudes - eu me tornara de repente um ser sublime, honrado e bondoso. Senti-me sufocado por tantas vozes e pensamentos, quis gritar exasperado, porém não consegui, a nadificação da minha existência seria o meu eterno aprisionamento.
Havia ali um espelho embaciado, e me detive diante dele a buscar repostas para as últimas inquietações de uma consciência que aos poucos se obliterava. Cada segundo parecia ter a duração de um milênio, e tudo, no entanto, passava tão apressadamente! Vi através do espelho toda a minha vida desconcertante e incoerente. Assustado com tal frenesi, eu fechei meus olhos e, aos abri-los, só encontrei uma escuridão solitária e profunda que me anestesiava os sentidos.
 À escuridão, sucedeu-se uma grande claridade que me ofuscou a visão. Quando consegui finalmente divisar alguma coisa, foi que me vi aproximando de mim mesmo.
– Beatriz, eu...
– Não, não fale nada... Deixe que o silêncio e o calor dos meus braços te confortem. Que a absurdidade e a estranheza da existência nos envolvam completamente. Tua presença já é suficiente.
Unificados finalmente, caminhamos de mãos dadas sem a necessidade compulsória de chegar a algum lugar específico. A eternidade nos bastava.


janeiro 15, 2015 No Comments
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