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Mostrando postagens de janeiro, 2015

A Náusea

Lágrimas não mais me comovem, por certo que sequei por dentro. Meu coração, outrora tão afável e generoso, parece hoje petrificado pelas agruras e sofrimentos desta nossa mísera existência. O que terá comigo acontecido? Onde talvez tenha eu perdido o encantamento pela vida? E, por mais que eu investigue, não encontro respostas. O opaco da vida é muito diferente do brilho das utopias.

Recordações

Num dia desses, estava eu a recordar o passado, um tanto longínquo, que aos poucos se desvanece à ação lenta e contínua do tempo. E, aos poucos, fui mergulhando num mar de doces recordações pueris, alegres peraltices e não poucas imaginações. Neste revolver das minhas reminiscências senti-me assaz extasiado, imensamente contente por compreender que nada na vida é em vão vivido, podemos sempre trazer de volta os doces momentos vividos e, por que não, ao trazê-los de volta à flor da mente experienciarmos outra vez as alegrias e dores de outrora, certamente não com o mesmo sabor de novidade e incerteza que existe somente no instante presente, mas com aquele prazer de analisar e buscar entender qual eram as forças que nos moviam, quais sentimentos verdadeiramente nos agitavam e o que de fato acontecia.   Ao passo que estas recordações vinham à tona em meu consciente, fui percebendo as alterações da vida, a meninice já um tanto esquecida, o espírito otimista e brincalhão que para tr...

O Encontro

O ambiente fúnebre em que me encontrava trazia à superfície intacta dos meus pensamentos o afloramento de sensações e de sentimentos há muito esquecidos. Olhava tudo com uma perspicácia atroz, buscando desvendar atrás de cada rosto sisudo e triste, atrás de cada pranto e gesto cerimonioso, uma verdade oculta que redimisse toda a dissimulação humana. As sombras dos candelabros clareavam e, ao mesmo tempo, obscureciam a minha face. O cheiro de flores murchas impregnava o ar com um odor nauseante. O silêncio era quase absoluto. Eu observava atentamente o meu corpo inerte preso irremediavelmente àquele ataúde que encerrava tantos sonhos não realizados, tantos amores não vividos e, sobretudo, tanto tempo desperdiçado. Lutei a minha vida inteira por uma causa que ao final se me mostrou inútil. Ah, se eu soubesse da irrelevância de toda ação humana! Mas todos os presentes eram unânimes em admitir a minha alta significância por causa do meu papel social muito bem desempenhado. As minhas ...

Abrigo

Douradas melenas, alvas espáduas, sorriso terno, oh, conto de fadas! Queria ter-te de novo aqui ao meu lado, ou numa ilha talvez, em um lugar apartado. Inebriar-me-ei ao ver o teu rosto amigo; juntos, finalmente, encontraremos abrigo.

Volúpia (Estuans interius)

Voluptuosamente, me entrego, ávido de novos prazeres, de novas loucuras. Em teu seio sinto arfar o reflexo do meu desejo. Ao toque da tua pele, ardo; tuas carícias elevam-me ao céu. Os vapores da luxúria excitam-me os sentidos. Fecho os olhos... Será tudo um sonho!? Estuans interius ira vehementi in amaritudine loquor mee menti: factus de materia, cinis elementi similis sum folio, de quo ludunt venti.

Confronto

Eu pensei que eu pudesse, com o poder da minha vontade, subverter a ordem preestabelecida. Eu acreditei firmemente em tudo o que me dizia o meu coração; segui os seus impulsos, deixei-me levar. E, apesar de todos os ventos contrários, dizia sempre a mim mesmo: “A vida é bela!”. Mas como na vida tudo é efêmero, fugaz, de um dia para o outro vi mundo desabar. Meus castelos, meus sonhos, minha esperança, tudo reduzido a pó, destruído para sempre. Passei a trilhar um caminho real e doloroso: a via-crúcis da minha purificação. Precisei sentir na pele todo o desprezo, toda a dor da existência, toda a ausência, para, enfim, estar completo para enfrentar o Dia da Grande Solidão.

Gnosis

Oh, cáustico saber, aquele que te procura sempre há de se arrepender. No entanto, também será recompensado, pois o que era de acre sabor, com o tempo, torna-se gradativamente doce: recuperamo-nos, aos poucos, do rancor. Melhor a incerteza filosófica do que a confiança cega e obliterante nas falsas certezas deste atual mundo reinante.

Na solidão claustrofóbica

Na solidão claustrofóbica de seu quarto, ele buscava ansiosamente por uma saída, por uma resposta para o seu sofrimento. A insônia apoderava-se de todo o seu ser; nem mesmo quando fechava os olhos ele conseguia se desvencilhar de seus temores. A porta, tão tranquila e fechada, em nada ajudava; ela poderia ser tanto uma rota de fuga quanto um terrível canal de entrada. O dia amanhecia e, pela janela, uma frouxa luz adentrava, trazendo consigo novas esperanças e, não menos, novos desapontamentos. Era imperativo recomeçar! E assim, abrindo vagarosamente a porta, ele aquietou o espírito e saiu de seu torpor.

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