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Devaneio e Poesia

O morrer como um viver sem paixão,
um estar no mundo como que em descompasso,
ferido, cambaleante, amargurado.
As mãos quebradas, o coração solitário;
o cansaço das relações fugidias e truncadas.
Ontem mesmo você estava aqui,
e conversávamos sobre a vida;
hoje o silêncio grita exasperado.
Gira, gira mundo em alta velocidade,
derramando em nós uma quantidade infinita de bits e bytes;
informações, no mais das vezes, desnecessárias.
Passagem rápida dos dias, horas, amigos e amores;
sucessão sucessiva de um vazio acachapante.


agosto 17, 2020 No Comments
Nem sou alegre, nem sou triste,
nem sou poeta, nem ouso sê-lo.
Vivo no limbo da desesperança,
em meio a vulcões extintos,
angústia, medo e lama.
Acabo sempre vencido pelo peso do cansaço
e pela força das circunstâncias.
Estou à margem de tudo;
nunca pertenci a uma multidão,
nunca gostei de ideias fatais.
– Nada disso muda o que quer que seja!
E persisto, com o coração nas mãos,
a faca entre os dentes,
escalando o monte sem cume da vida. 


agosto 16, 2020 No Comments
O tugúrio esquecido,
o de minha infância,
onde muitos anos passei,
hoje me veio à lembrança.
Ele ficava em um vilarejo
que ainda consigo ver,
através de lentes açoitadas pelo tempo,
como um lugar imperioso.
Lá os homens andavam cabisbaixos,
e as mulheres, silenciosas;
um arbítrio férreo tentava solapar toda vontade,
e leis misteriosas procuravam reduzir o espírito humano a pó.
Eu corria, saía em disparada,
tentando de todo modo escapar dessa sina atávica,
e acabava sempre voltando.


julho 08, 2020 No Comments
Em nossas tardes deleitosas,
o surgimento de afinidades eletivas,
a fusão de almas que se atraem.
Um souvenir na penteadeira,
um antigo livro na estante;
uma agradável reminiscência,
uma poética dedicatória.
Ao som da tua voz equidistante,
uma sucessão de ideias, sensações e sentimentos;  
perto mesmo que longe,
vida além-horizonte.
Ermos sítios do espírito à espera de uma luz;
tu és para mim aquilo que nunca se traduz.


junho 28, 2020 No Comments
Alegria de nada fazer,
de repousar nos teus braços,
de ouvir tua voz.
És remanso acolhedor,
luz benfazeja,
sacrário de ternura.
Com teu toque delicado,
afastas a noite perene,
desanuvias meu humor.
Mergulho de cabeça no leito das horas,
flutuo em meio a um céu de doces sensações;
desejo ardentemente que o dia não termine.
Absorvo mais uma vez o aroma de tua essência indecifrável,
deixo teu olhar aquecer minh’alma;
diante de ti,
no silêncio da passagem inexorável do tempo,
sinto a quase completude do ser. 


junho 21, 2020 No Comments
Sou uma vítima de minhas próprias expectativas,
um artista a produzir um mundo às vezes edulcorado,
um servo voluntário de um amor desfeito.
Na memória, empolgações fugidias de uma noite sem verão;
neste momento, o contínuo tédio das horas tristes que nunca me abandonam.
Feridas, mágoas, cicatrizes;
um vívido pesadelo que não passa.
Vou adentrando pouco a pouco no terreno insólito de uma solidão que se faz cada dia mais aguda e sufocante.
Há muito já se passou o tempo do desespero, do grito e da convulsão;
trago comigo apenas uma esperança desesperançada
e um vazio crescente ao longo desta eterna madrugada.


junho 14, 2020 No Comments
Na face oculta do medo,
há um ódio arraigado prestes a eclodir.
Quando palavras sem sentido,
cicatrizes invisíveis,
ressentimentos e humilhações
pululam em um interior dilacerado,
algo de inominável toma forma.
Lágrimas de sangue,
iracúndia, irracionalidade,
tudo vem de uma vez só,
extinguindo qualquer réstia última de luz.
E a escuridão se torna onipresente:
bestas-feras saem de seus covis.


junho 03, 2020 No Comments
Prados verdejantes, oh, bucólica lembrança
Do tempo em que éramos pastor e pastora
(Glauceste e Nise,
Marília e Dirceu,
Elmano Sadino...)
E vivíamos num frugal cotidiano,
Longe do ritmo frio e incessante do moderno maquinário,
Mas perto do calor ardente de uma reciprocidade irrestrita.

Oh, colina árcade de minhas reminiscências,
Onde eu era um artesão das palavras,
Um flautista alvissareiro a reverenciar,
Com meu singelo canto,
A natureza, o equilíbrio e a perfeição.

Nos campos helênicos cheio de flores,
Ou entre as minas de um ouro colonial,
Preenchia-se o pavor do vazio
Com odes, sonetos e canções.

Cinzas de outrora, poesia esquecida;
Nada mais restou daquela outra vida.


junho 02, 2020 No Comments
Presente, dádiva, vidas que se transformam.
Ver você assim tão pequeno, tão frágil,
me faz perceber o quanto ainda tenho a aprender;
não se trata aqui apenas de uma lição de humildade,
mas também de uma imersão em um universo de afetuosidade ainda não explorado.
Ver você assim tão inocente, tão adorável,
me assusta muito e me alegra imensamente,
fazendo-me, homem calejado, lacrimejar.
Você é tudo o que um dia sonhei,
meu mundo, meu homenzinho querido,
meu filho. 


maio 24, 2020 No Comments
Teodolinda, Leonor, Heloísa,
iluminuras de um passado descontente,
doutas mulheres de uma ímpar tessitura,
fazedoras de sonhos e sofrimentos.
Quisera eu viver provençais amores,
com seus êxtases, sais e olores.
Quisera poder me arrastar pelo mundo,
ungido por um amor premente,
dizendo a toda gente que culpado sou.
Ah, e pelo menos uma vez, ao som do alaúde,
contemplando tal formoso semblante,
conseguir me aproximar num rompante
e confessar meu anacrônico flagelo:
um amor cortês sem castelo.


maio 19, 2020 No Comments
Num rio que corre ao luar,
uma canção que jamais será ouvida.
Quando fecho os olhos,
iridescentes devaneios colorem toda a gris existência.
O Condor voa acima dos ciprestes, vales e montanhas,
perpassa com leveza o que antes era sofrimento e morte.
Reescrevo os próximos capítulos,
desfaço a hermenêutica vigente
e me descalço para seguir em frente.
Na dourada e sangrenta estrada de tijolos esquecidos,
ergo minha voz e canto:
amor, miséria e pranto.  


maio 10, 2020 No Comments
Uma ânsia maldita por perder-se em alguém, encontrando assim algo que tenha algum brilho, mesmo que parco, em meio a um mundo opaco de afetos. Uma ânsia maldita que habita o âmago de minhas trevas, que permeia toda a aridez desta alma sedenta por qualquer resquício de algo que minimamente me transcenda. Uma vida como um eterno caminhar sem sentido, com pés ensanguentados, até o lúgubre abismo. Uma vida como um grito de agonia silencioso que nunca será ouvido.   


abril 28, 2020 No Comments
Descrevê-la como corajosa, espontânea, autêntica,
é de uma obviedade ululante.
Por certo, caso eu lhe dissesse algo do gênero,
ela me responderia:
"diga-me algo novo, por favor,
alguma coisa que eu ainda não saiba".
Eu ficaria então perdido, atônito, sem palavras.

Meu encantamento por ti me faz emudecer;
sou um escravo da beleza e do desejo.

Depois do susto, faria de tudo para lhe agradar,
diria o que não sinto,
multiplicaria palavras sem necessidade.

Ela perceberia o simulacro,
leria sagazmente as entrelinhas,
abria as asas e voaria para longe.


abril 27, 2020 No Comments
Explosão de cores, sons e sensações:
algo aconteceu em mim.
Não me sinto mais o mesmo;
o espelho reflete uma estranha imagem.
Estou perdendo o controle,
não consigo mais resistir,
está reascendendo em mim uma antiga flama.
A desordem, infelizmente, está posta.
Eu bem sei que corro um grande risco;
tudo tem o seu custo na vida.
E, mesmo assim, lá vou eu de novo!
Mamma Mia!


abril 26, 2020 No Comments
Um pensamento atrás do outro:
trabalho, família, obrigações, vontades, obsessões.
Um sentimento de estar perdido em meio a um caos de alucinantes reverberações racionais;
um desejo de pôr em ordem todas as coisas, de fazer do mundo um fiel autorretrato.

E eis que tropeço (por insistência) em uma pedra psicodélica, caindo no vazio obliterante da existência.

Percebo, pois, que uso muitas palavras, muitos adjetivos, que penso demais.
Olho atentamente, mantenho a minha atenção plena, e vejo a minha cabeça desaparecer;
sou um com o mundo e não há mais um “eu”.


abril 15, 2020 No Comments
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