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Praticidade

Eu espero um pouco mais, tento não me desesperar. Horas se tornam dias, dias se tornam anos, e o silêncio reverbera, e luzes rarefeitas escoam pelas frestas do tempo. Lá fora o vento frio do outono sopra indiferente, já aqui dentro sinto uma solidão dilacerante. Estou tentando ser mais paciente, menos intransigente, mas não está sendo fácil. *** Desidealizar o amor, as amizades, a vida; é preciso ser aquilo que se precisa.

Incivilização

Nas asas da loucura, seguindo na contramão, eu estou à beira do meu leito, quase caindo em mim, quase achando alguma solução. Todo dia as mesmas notícias: necrose, ignorância e incivilização. Tomo mais trago deste mal ardente; em devaneio, penso no próximo carnaval. Não quero mais isso nem quero mais aquilo. Anacronicamente, e de uma vitrola improvável, ouço a voz renitente de Sérgio Sampaio: “silêncio na tarde dos homens, silêncio”

Na insana bruma leve...

Nevoeiro nas mentes: homens perambulam, perdidos, exclamando certezas morais, iluminações políticas; há algo de muito errado no paraíso outrora tropical. Eclipse das mentes, endurecimento dos corações, tudo envolto em trevas, ignorância e medo. Paira no ar uma vontade de exterminar o diferente, de acabar com qualquer dissenso, de ser mais um na multidão. Cheiro pútrido de glórias passadas, um misto de estupidez, ressentimento e rancor. *** Simplesmente, não sonhe nem mesmo um pequeno sonho comigo. *** Há um quê de fingimento em toda alegria; há muita sinceridade em cada pequena dor.

Desencanto

Caminho para lugar nenhum Um olhar vazio, distante Você nunca está lá Os salões cheios de passageira esperança Festiva loucura que não termina A angústia como uma lâmina afiada Quinquilharias que junto pouco a pouco Triste, pálido (e contínuo) dia de inverno O grito não sai O odor permanece Só agora começo a entender a sua doce insensibilidade.

Musicais

(Para Rebecca Nora Bunch)   Apaixonar-se após uma única canção; tocar, com uma dança coreografada, um sapateado, um dueto, a alma; sentir-se em uníssono com a música; estremecer a cada acorde; sentir os dedos suaves da beleza, sem um propósito racional, deslizar por todo o corpo; vibrar com a batida rítmica da vida.   Vibratos, arranjos e emoções: molto vivace ! E tanta gente que não gosta só porque é “tudo cantadinho”.

Relvado

Quero encher o seu cabelo de flores, fazer do meu empedernido coração um quê de louvor e prece; diante da relva molhada, quem sabe numa manhã emoldurada, transladar argênteo sonho, jovial e alvissareiro, para o mundo cá em baixo; ouvir sua voz edulcorada, sentir seus dedos deslizando suavemente, ousadamente... *** Uma doce sensação, mistério e paixão; eco renitente de uma antiga (e sempre nova) rima.

Inflexão

Nos rios da Babilônia, às margens do Sena, no Rubicão, Ipiranga, ou mesmo no córrego aqui da vila, um sentimento de efêmera eternidade, de um não retorno: ponto de inflexão. Eis o fim das grandes ideias, das grades que ocultam flores, de um tempo que se apaga pouco a pouco. A revolução acabou, o sonho definhou, (todos já foram guilhotinados) e no jogo do poder já se entrevê a ascensão de um novo déspota. Por todos os lados, até onde a vista alcança, milhares e milhares de estátuas de sal.

No universo conhecido, e além

Nada tenho que realmente me pertença. *** Achei, um dia, que nos pertencíamos, inseparáveis, como um sistema binário em uma eterna dança gravitacional. O átomo da vida manterá a sua majestosa integridade, eu pensava; oh, fissão de minhas etéreas certezas. Dúvidas, dúvidas e dívidas foram o que me restaram... Na nuvem de gás e poeira que me habita, sentimentos não revelados e verdades nunca ditas. *** – inércia – Zero Absoluto *** Talvez nas luas de Saturno, quem sabe para além da nuvem de Oort, uma supernova, trazendo a vida por meio da morte, nos revele o até então desconhecido óbvio.

melancholia

Vagando entre as criaturas da noite, com um coração petrificado, vejo lúgubres figuras, sonhos terríficos, o passar dilacerante do tempo. *** Tento – sem nunca conseguir – acabar com tudo, com a viscosa esperança que me persegue, com a consciência de que não há caminho de volta. Até agora nenhum sintoma aparente, febre ou loucura; a normalidade se mostra em toda a sua triste magnificência. *** À sombra de um cipreste, longe de qualquer presença humana, contemplo o vasto e indiferente céu outonal.

Vidas inexatas

O cadafalso à espreita a busca por um sentido viver é, antes de tudo, impreciso Uma ponte sobre o rio das lágrimas um voo cego e cheio de vicissitudes o luzir da esperança Torrentes de desejos versus claustro da retidão perpétua labuta para afastar a entropia o vil desordenamento o caos lento e inevitável.

Nefelibatas & Selenitas

Mesmo nos ares, distraído, sonhando acordado, eu fito continuamente o abismo. Dentro da casa do claustrofóbico saber, um quê de irremediável agonia. Ah, uma janela, ei-la: uma abertura para o infinito não-ser. Debruço-me sobre ela, ébrio, e pressinto sensações multicolores, um esmorecimento da lógica e da razão. Nuvens, luas de Saturno, véus e cristais, ledos crisântemos e pássaros de fogo, cataratas, valsas, principados, amores, fogos-fátuos e fiordes...

Motivo

O morrer como um viver sem paixão, um estar no mundo como que em descompasso, ferido, cambaleante, amargurado. As mãos quebradas, o coração solitário; o cansaço das relações fugidias e truncadas. Ontem mesmo você estava aqui, e conversávamos sobre a vida; hoje o silêncio grita exasperado. Gira, gira mundo em alta velocidade, derramando em nós uma quantidade infinita de bits e bytes; informações, no mais das vezes, desnecessárias. Passagem rápida dos dias, horas, amigos e amores; sucessão sucessiva de um vazio acachapante.

Resiliência

Nem sou alegre, nem sou triste, nem sou poeta, nem ouso sê-lo. Vivo no limbo da desesperança, em meio a vulcões extintos, angústia, medo e lama. Acabo sempre vencido pelo peso do cansaço e pela força das circunstâncias. Estou à margem de tudo; nunca pertenci a uma multidão, nunca gostei de ideias fatais. – Nada disso muda o que quer que seja! E persisto, com o coração nas mãos, a faca entre os dentes, escalando o monte sem cume da vida. 

Memória, uma infiel guardiã do passado

O tugúrio esquecido, o de minha infância, onde muitos anos passei, hoje me veio à lembrança. Ele ficava em um vilarejo que ainda consigo ver, através de lentes açoitadas pelo tempo, como um lugar imperioso. Lá os homens andavam cabisbaixos, e as mulheres, silenciosas; um arbítrio férreo tentava solapar toda vontade, e leis misteriosas procuravam reduzir o espírito humano a pó. Eu corria, saía em disparada, tentando de todo modo escapar dessa sina atávica, e acabava sempre voltando.

Em tua companhia

Em nossas tardes deleitosas, o surgimento de afinidades eletivas, a fusão de almas que se atraem. Um souvenir na penteadeira, um antigo livro na estante; uma agradável reminiscência, uma poética dedicatória. Ao som da tua voz equidistante, uma sucessão de ideias, sensações e sentimentos;   perto mesmo que longe, vida além-horizonte. Ermos sítios do espírito à espera de uma luz; tu és para mim aquilo que nunca se traduz.

Dolce far niente

Alegria de nada fazer, de repousar nos teus braços, de ouvir tua voz. És remanso acolhedor, luz benfazeja, sacrário de ternura. Com teu toque delicado, afastas a noite perene, desanuvias meu humor. Mergulho de cabeça no leito das horas, flutuo em meio a um céu de doces sensações; desejo ardentemente  que o dia não termine . Absorvo mais uma vez o aroma de tua essência indecifrável, deixo teu olhar aquecer minh’alma; diante de ti, no silêncio da passagem inexorável do tempo, sinto a quase completude do ser. 

Vanitas vanitatum

Sou uma vítima de minhas próprias expectativas, um artista a produzir um mundo às vezes edulcorado, um servo voluntário de um amor desfeito. Na memória, empolgações fugidias de uma noite sem verão; neste momento, o contínuo tédio das horas tristes que nunca me abandonam. Feridas, mágoas, cicatrizes; um vívido pesadelo que não passa. Vou adentrando pouco a pouco no terreno insólito de uma solidão que se faz cada dia mais aguda e sufocante. Há muito já se passou o tempo do desespero, do grito e da convulsão; trago comigo apenas uma esperança desesperançada e um vazio crescente ao longo desta eterna madrugada.

Palimpsesto

Na face oculta do medo, há um ódio arraigado prestes a eclodir. Quando palavras sem sentido, cicatrizes invisíveis, ressentimentos e humilhações pululam em um interior dilacerado, algo de inominável toma forma. Lágrimas de sangue, iracúndia, irracionalidade, tudo vem de uma vez só, extinguindo qualquer réstia última de luz. E a escuridão se torna onipresente: bestas-feras saem de seus covis.

Algures

Prados verdejantes, oh, bucólica lembrança Do tempo em que éramos pastor e pastora (Glauceste e Nise, Marília e Dirceu, Elmano Sadino...) E vivíamos num frugal cotidiano, Longe do ritmo frio e incessante do moderno maquinário, Mas perto do calor ardente de uma reciprocidade irrestrita. Oh, colina árcade de minhas reminiscências, Onde eu era um artesão das palavras, Um flautista alvissareiro a reverenciar, Com meu singelo canto, A natureza, o equilíbrio e a perfeição. Nos campos helênicos cheio de flores, Ou entre as minas de um ouro colonial, Preenchia-se o pavor do vazio Com odes, sonetos e canções. Cinzas de outrora, poesia esquecida; Nada mais restou daquela outra vida.

Théos

Presente, dádiva, vidas que se transformam. Ver você assim tão pequeno, tão frágil, me faz perceber o quanto ainda tenho a aprender; não se trata aqui apenas de uma lição de humildade, mas também de uma imersão em um universo de afetuosidade ainda não explorado. Ver você assim tão inocente, tão adorável, me assusta muito e me alegra imensamente, fazendo-me, homem calejado, lacrimejar. Você é tudo o que um dia sonhei, meu mundo, meu homenzinho querido, meu filho. 

Fino Amor

Teodolinda, Leonor, Heloísa, iluminuras de um passado descontente, doutas mulheres de uma ímpar tessitura, fazedoras de sonhos e sofrimentos. Quisera eu viver provençais amores, com seus êxtases, sais e olores. Quisera poder me arrastar pelo mundo, ungido por um amor premente, dizendo a toda gente que culpado sou. Ah, e pelo menos uma vez, ao som do alaúde, contemplando tal formoso semblante, conseguir me aproximar num rompante e confessar meu  anacrônico  flagelo: um amor cortês sem castelo.

Iridescentes Devaneios

Num rio que corre ao luar, uma canção que jamais será ouvida. Quando fecho os olhos, iridescentes devaneios colorem toda a gris existência. O Condor voa acima dos ciprestes, vales e montanhas, perpassa com leveza o que antes era sofrimento e morte. Reescrevo os próximos capítulos, desfaço a hermenêutica vigente e me descalço para seguir em frente. Na dourada e sangrenta estrada de tijolos esquecidos, ergo minha voz e canto: amor, miséria e pranto.  

Infelicidade

Uma ânsia maldita por perder-se em alguém, encontrando assim algo que tenha algum brilho, mesmo que parco, em meio a um mundo opaco de afetos. Uma ânsia maldita que habita o âmago de minhas trevas, que permeia toda a aridez desta alma sedenta por qualquer resquício de algo que minimamente me transcenda. Uma vida como um eterno caminhar sem sentido, com pés ensanguentados, até o lúgubre abismo. Uma vida como um grito de agonia silencioso que nunca será ouvido.   

Hipótese temerária

Descrevê-la como corajosa, espontânea, autêntica, é de uma obviedade ululante. Por certo, caso eu lhe dissesse algo do gênero, ela me responderia: "diga-me algo novo, por favor, alguma coisa que eu ainda não saiba". Eu ficaria então perdido, atônito, sem palavras. Meu encantamento por ti me faz emudecer; sou um escravo da beleza e do desejo. Depois do susto, faria de tudo para lhe agradar, diria o que não sinto, multiplicaria palavras sem necessidade. Ela perceberia o simulacro, leria sagazmente as entrelinhas, abria as asas e voaria para longe.

Fogo na Alma

Explosão de cores, sons e sensações: algo aconteceu em mim. Não me sinto mais o mesmo; o espelho reflete uma estranha imagem. Estou perdendo o controle, não consigo mais resistir, está reascendendo em mim uma antiga flama. A desordem, infelizmente, está posta. Eu bem sei que corro um grande risco; tudo tem o seu custo na vida. E, mesmo assim, lá vou eu de novo! Mamma Mia!

A Ilusão do Self

Um pensamento atrás do outro: trabalho, família, obrigações, vontades, obsessões. Um sentimento de estar perdido em meio a um caos de alucinantes reverberações racionais; um desejo de pôr em ordem todas as coisas, de fazer do mundo um fiel autorretrato. E eis que tropeço (por insistência) em uma pedra psicodélica, caindo no vazio obliterante da existência. Percebo, pois, que uso muitas palavras, muitos adjetivos, que penso demais. Olho atentamente, mantenho a minha atenção plena, e vejo a minha cabeça desaparecer; sou um com o mundo e não há mais um “eu”.

Desiderato

Angústia, tristeza, solidão, fim do mundo, falta de sentido, isolamento autoimpingido; quero encontrar algo que me distraia da realidade. Nada posso contra o caos que me atordoa; a noite é longa, e o sono não chega. Por ruas desertas, o perigo se esconde em cada canto, já o silêncio se torna um incômodo, um abismo exasperante. E a vontade não morre, apenas hiberna, aguarda o momento propício, o tempo de reaproximação.  

Nepente

Olvidar a angústia que me rasga a pele, a sensação de que algo me persegue, deixar para trás a memória, a vida, sonho. Não há muito mais o que se fazer; mergulho de uma vez por todas no nada que me engolfa, que me emudece, fazendo-me aos poucos desaparecer. De repente, e de forma previsível, o silêncio se faz pungente; tenho o que preciso, mas não aquilo que mais queria. 

Desilusões

Estou sem chão, sem horizontes, em queda livre... Perdido no espaço que nos separa, eu me encontro aturdido, cansado; sou uma sombra, um presságio. O tempo passa apressado, uma casa sem alicerces rapidamente afunda, e eu, dia após dia, arrefeço pouco a pouco. Está tudo diferente, mas também igual. Ainda é dia, mesmo que não haja mais alegria, sonho ou sol.  

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