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Casa vazia

É o fim. É o fim de tudo, eu sei. Quando eu voltar, você não estará mais lá; casa vazia, coração em pranto, e nas mãos o açoite da realidade. Eu me arrastarei por entre cômodos e incômodos, calado, ouvindo palavras que você nunca disse, tentando, em vão, me iludir. Nas estantes, livros cheios de traços e traças; nas paredes, fotografias em preto e branco. As gavetas estarão vazias, a cama estará desarrumada, minha vida, desaprumada. O tempo começará a desmoronar, e eu me sentirei despatriado, perdido dentro de mim, caminhando rumo a lugar nenhum.

Jardim das Acácias

Rosas desvairadas, crisântemos tristonhos, lírios orgulhosos, gerânios obstinados; sim, o teu jardim tem muitas flores. *** Por alamedas bem cuidadas, por campos de amoras silvestres, vou djavaneando o meu amor, desaguando o que sinto no oceano sem fim da insensatez, cantando as glórias de um céu azulzinho, de uma correnteza lilás e outras cores. *** Vejo uma semente crescer no meu coração, pressinto no ar, mesmo neste dia frio, uma força singela, coisa mais bela: uma vida ao teu lado cheia de novos sabores.

À procura de um poema

Às vezes rimo, às vezes não rimo, e logo depois me vejo correndo descalço pelos campos da meninice, afagando sonhos e versos, polinizando amorosas flores. Aos meus pés, uma planta pequenina, frágil como tudo aquilo que há de mais bonito nesta vida, que cresce, cresce, cresce e se torna árvore sem medo, em cuja sombra me calo e envelheço. À noite, quando os pássaros voltam aos seus ninhos, quando frio se faz presente, tento recordar uma velha cantiga de viver; e eis que o tempo, a vida, tudo, de repente, se transforma em água, salobra, calma, lúcida; e eu, pobre criança mergulhada no mistério, me transubstancio também em Mar Absoluto.

Relicário

Palavras ao vento, perdidas no tempo; resquícios e relíquias de almas que não se encontram, de vidas que não se cruzam. Palavras de desalento e desencanto, ferinas, amargas, sinônimas de cicatriz, dor e pranto. Palavras sussurradas ao pé do ouvido, com carinho e cuidado, que reverberam nos sedentos corações. Palavras secretas, inconfessáveis, guardadas a sete chaves. Palavras de gratidão e prece, inaudíveis, transcendentes. Palavras e seus significados semânticos e românticos. Palavras: Caos e Silêncio.

Saudade

Não há mais o que dizer, fazer; dor, saudade e luto se misturam com a perplexidade deste momento. Mês de maio, frio, chuva, silêncio... Ainda ontem você estava aqui, simples e amável, me ensinando as coisas da vida. Ainda ontem você me embalava com canções de carinho e aconchego. Hoje meus olhos estão embaçados, meus dedos, trêmulos, minha vida, triste. *** O vento da estação sopra mais uma vez, e tudo parece tão igual – quase normal –, as mesmas pessoas, as mesmas ruas, e as mesmas conversas. Tudo tão igual...

As marés da vida

Minhas palavras se evaporam Meus pensamentos se diluem Mergulho cada vez mais fundo Miro a última ilusão desfeita Maldigo paixões arrefecidas Mastros e velas destruídas Naufrágio além do horizonte Nebulosas memórias e tempestades Nítidas angústias ao vento do norte Nada, porém, que me faça desistir Ondas, fluxo, vida e calmaria O tempo e amor restantes.

Canteiros

Eras tu ontem – não poderia ser mais ninguém –, seguindo os meus passos, revolucionando a minha realidade. *** Estás nos devaneios que tenho, nos pobres versos que aqui despejo, nas alamedas e canteiros do meu labiríntico coração. Vejo-te em tudo, mas nunca diretamente, nunca tête-à-tête. *** És a folha ao vento no outono, o canto da ave liberta na primavera, o brilho de um olhar que transcende qualquer estação. És ritmo, passagem, tempo: aurora e crepúsculo. som e silêncio.

Frente e Verso

Versos que componho, decomponho, e que me rasgam a pele. Versos, sim, dilacerantes, delirantes, que brotam dos rochedos, dos ermos sítios da solidão. Versos que gritam e se evaporam na noite silenciosa do mundo. E no baço espelho da vida, uma estranha face, uma quimérica imagem, um vulto desesperançado. Seja na frente ou no verso: páginas e páginas cobertas por uma prosa antipoética cheia de rabiscos, vozes e palavras desconexas.

Soneto de Recordação

Um banco, uma praça, em uma tarde dourada, eis que te vejo do nada, com luz, perfume e graça. *** Uma memória emoldurada: uma conversa que enlaça; pássaros a fazer arruaça; vida, sinais e uma nova florada. *** De tudo, o que fica é a saudade, que cresce sempre à tardinha, lânguida, contida e evanescente. *** Cresci nesta simpática cidade, – com sua grama bem cortadinha –, contemplando o mesmo sol poente.

O inverno chegou!

O inverno chegou, mas não como prenúncio de morte, e sim como introspectivo consorte, taciturno companheiro de clausura. Eis um tempo de reflexão, onde o frio nos pega pela mão e nos leva rumo ao abismo do que somos. Sim, o inverno chegou, e aqui chegamos nós também, cegos diante de tanta luz, tentando achar alguma resposta, alguma saída. E, na transitoriedade de todas as coisas, para aqueles que não fogem da estação, o que fica mesmo é um profundo respeito pela vida.

Poeminha contraditório

Quero escrever um poeminha à toa, um poeminha vagabundo, desses que não dizem nada, que estão aí só por estar, sem pretensão alguma, sem razão de ser: – Que poeminha bom é estar junto a você! –

Um pouco mais de poesia

A vida pode ser mais do que isso, mais do que dores e cansaço, mais do que política e descaso. Há de haver um compromisso, uma vontade de fazer diferente, de não ser como toda essa gente que só faz o que é preciso. Está mais do que na hora de vivenciar a poesia, esta  linda ave canora , à luz do dia a dia. E para além das palavras, um aroma doce e suave, uma canção sempiterna e um desejo de encontro.

Humor citadino

Hoje eu caminhei pela cidade: dores escondidas em cada esquina, solidões anônimas nos bancos da praça, jardins da vida ressecados, muros, grades, lanças e portões. Não quero ser poeta das coisas mortas; melhor dar mais uma volta.

Os pequenos sufocamentos do dia a dia

Taça de cristal despedaçada, flores murchas, móveis empoeirados, enfim, imagens do que restou. *** Eu mal consigo sentir qualquer gosto ou odor, e o ar ao meu redor parece rarefeito e indiferente; ah, os pequenos sufocamentos do dia a dia. *** Tento outra vez atravessar uma parede de ressentimentos e falta de amor. *** Espero um mais pouco, olho para todos os lados, e sinto a brisa suave da manhã em meu rosto, o cheiro da primavera em flor. *** O futuro não se mostra excitante, e o passado ruge como uma fugidia e capciosa lembrança. Tento não pensar em nada – sei que sou poeira ao vento –; quero apenas fincar os meus pés no possível, no palpável. 

Praticidade

Eu espero um pouco mais, tento não me desesperar. Horas se tornam dias, dias se tornam anos, e o silêncio reverbera, e luzes rarefeitas escoam pelas frestas do tempo. Lá fora o vento frio do outono sopra indiferente, já aqui dentro sinto uma solidão dilacerante. Estou tentando ser mais paciente, menos intransigente, mas não está sendo fácil. *** Desidealizar o amor, as amizades, a vida; é preciso ser aquilo que se precisa.

Incivilização

Nas asas da loucura, seguindo na contramão, eu estou à beira do meu leito, quase caindo em mim, quase achando alguma solução. Todo dia as mesmas notícias: necrose, ignorância e incivilização. Tomo mais trago deste mal ardente; em devaneio, penso no próximo carnaval. Não quero mais isso nem quero mais aquilo. Anacronicamente, e de uma vitrola improvável, ouço a voz renitente de Sérgio Sampaio: “silêncio na tarde dos homens, silêncio”

Na insana bruma leve...

Nevoeiro nas mentes: homens perambulam, perdidos, exclamando certezas morais, iluminações políticas; há algo de muito errado no paraíso outrora tropical. Eclipse das mentes, endurecimento dos corações, tudo envolto em trevas, ignorância e medo. Paira no ar uma vontade de exterminar o diferente, de acabar com qualquer dissenso, de ser mais um na multidão. Cheiro pútrido de glórias passadas, um misto de estupidez, ressentimento e rancor. *** Simplesmente, não sonhe nem mesmo um pequeno sonho comigo. *** Há um quê de fingimento em toda alegria; há muita sinceridade em cada pequena dor.

Desencanto

Caminho para lugar nenhum Um olhar vazio, distante Você nunca está lá Os salões cheios de passageira esperança Festiva loucura que não termina A angústia como uma lâmina afiada Quinquilharias que junto pouco a pouco Triste, pálido (e contínuo) dia de inverno O grito não sai O odor permanece Só agora começo a entender a sua doce insensibilidade.

Musicais

(Para Rebecca Nora Bunch)   Apaixonar-se após uma única canção; tocar, com uma dança coreografada, um sapateado, um dueto, a alma; sentir-se em uníssono com a música; estremecer a cada acorde; sentir os dedos suaves da beleza, sem um propósito racional, deslizar por todo o corpo; vibrar com a batida rítmica da vida.   Vibratos, arranjos e emoções: molto vivace ! E tanta gente que não gosta só porque é “tudo cantadinho”.

Relvado

Quero encher o seu cabelo de flores, fazer do meu empedernido coração um quê de louvor e prece; diante da relva molhada, quem sabe numa manhã emoldurada, transladar argênteo sonho, jovial e alvissareiro, para o mundo cá em baixo; ouvir sua voz edulcorada, sentir seus dedos deslizando suavemente, ousadamente... *** Uma doce sensação, mistério e paixão; eco renitente de uma antiga (e sempre nova) rima.

Inflexão

Nos rios da Babilônia, às margens do Sena, no Rubicão, Ipiranga, ou mesmo no córrego aqui da vila, um sentimento de efêmera eternidade, de um não retorno: ponto de inflexão. Eis o fim das grandes ideias, das grades que ocultam flores, de um tempo que se apaga pouco a pouco. A revolução acabou, o sonho definhou, (todos já foram guilhotinados) e no jogo do poder já se entrevê a ascensão de um novo déspota. Por todos os lados, até onde a vista alcança, milhares e milhares de estátuas de sal.

No universo conhecido, e além

Nada tenho que realmente me pertença. *** Achei, um dia, que nos pertencíamos, inseparáveis, como um sistema binário em uma eterna dança gravitacional. O átomo da vida manterá a sua majestosa integridade, eu pensava; oh, fissão de minhas etéreas certezas. Dúvidas, dúvidas e dívidas foram o que me restaram... Na nuvem de gás e poeira que me habita, sentimentos não revelados e verdades nunca ditas. *** – inércia – Zero Absoluto *** Talvez nas luas de Saturno, quem sabe para além da nuvem de Oort, uma supernova, trazendo a vida por meio da morte, nos revele o até então desconhecido óbvio.

melancholia

Vagando entre as criaturas da noite, com um coração petrificado, vejo lúgubres figuras, sonhos terríficos, o passar dilacerante do tempo. *** Tento – sem nunca conseguir – acabar com tudo, com a viscosa esperança que me persegue, com a consciência de que não há caminho de volta. Até agora nenhum sintoma aparente, febre ou loucura; a normalidade se mostra em toda a sua triste magnificência. *** À sombra de um cipreste, longe de qualquer presença humana, contemplo o vasto e indiferente céu outonal.

Vidas inexatas

O cadafalso à espreita a busca por um sentido viver é, antes de tudo, impreciso Uma ponte sobre o rio das lágrimas um voo cego e cheio de vicissitudes o luzir da esperança Torrentes de desejos versus claustro da retidão perpétua labuta para afastar a entropia o vil desordenamento o caos lento e inevitável.

Nefelibatas & Selenitas

Mesmo nos ares, distraído, sonhando acordado, eu fito continuamente o abismo. Dentro da casa do claustrofóbico saber, um quê de irremediável agonia. Ah, uma janela, ei-la: uma abertura para o infinito não-ser. Debruço-me sobre ela, ébrio, e pressinto sensações multicolores, um esmorecimento da lógica e da razão. Nuvens, luas de Saturno, véus e cristais, ledos crisântemos e pássaros de fogo, cataratas, valsas, principados, amores, fogos-fátuos e fiordes...

Motivo

O morrer como um viver sem paixão, um estar no mundo como que em descompasso, ferido, cambaleante, amargurado. As mãos quebradas, o coração solitário; o cansaço das relações fugidias e truncadas. Ontem mesmo você estava aqui, e conversávamos sobre a vida; hoje o silêncio grita exasperado. Gira, gira mundo em alta velocidade, derramando em nós uma quantidade infinita de bits e bytes; informações, no mais das vezes, desnecessárias. Passagem rápida dos dias, horas, amigos e amores; sucessão sucessiva de um vazio acachapante.

Resiliência

Nem sou alegre, nem sou triste, nem sou poeta, nem ouso sê-lo. Vivo no limbo da desesperança, em meio a vulcões extintos, angústia, medo e lama. Acabo sempre vencido pelo peso do cansaço e pela força das circunstâncias. Estou à margem de tudo; nunca pertenci a uma multidão, nunca gostei de ideias fatais. – Nada disso muda o que quer que seja! E persisto, com o coração nas mãos, a faca entre os dentes, escalando o monte sem cume da vida. 

Memória, uma infiel guardiã do passado

O tugúrio esquecido, o de minha infância, onde muitos anos passei, hoje me veio à lembrança. Ele ficava em um vilarejo que ainda consigo ver, através de lentes açoitadas pelo tempo, como um lugar imperioso. Lá os homens andavam cabisbaixos, e as mulheres, silenciosas; um arbítrio férreo tentava solapar toda vontade, e leis misteriosas procuravam reduzir o espírito humano a pó. Eu corria, saía em disparada, tentando de todo modo escapar dessa sina atávica, e acabava sempre voltando.

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